terça-feira, janeiro 08, 2008

Como assim “bissexual”?*

Reflexões de uma mulher orgulhosamente bissexual
Por Clarissa Carvalho

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“Aquela ali não dá porque é lésbica. Não! Ela também fica com homens! Ah, então tudo bem, ainda há chance de salvação. Bom pra mim.”
“Não, peraí, isso não existe: ou você gosta de alguém do sexo oposto, ou de alguém do mesmo sexo. Decida-se.”

Essas são algumas reflexões (?) correntes sobre a bissexualidade. Eu diria que existe uma idéia pré-concebida comumente aceita de que “é mais fácil ser bi”, “bis são mais
aceit@s porque essas pessoas podem desfrutar os espaços e os direitos ‘normais’, e ainda se decidirem, um dia à noite numa festa podem fazer ‘algo diferente’”. Não transgrediram completamente, então, se continuarem, pelo menos publicamente exercendo a heterossexualidade, é permitido e até exótico/excitante uma homossexualidade mais velada e, de preferência, eventual.
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É mais fácil ser bi?
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Qualquer idéia ligada a uma “aceitação da bissexualidade” é equívoca porque ela, de maneira alguma, compreende o que é ser bi. Ou seja, quem diz que ser bi é mais aceito é porque não entende o que é ser bi. A questão aqui não é se eu não sou discriminada quando estou com um homem, a questão é entender como que o meu desejo funciona. E te digo, meu desejo não é heterossexual de dia no restaurante com a família e homossexual à noite na boate “gls
[1]”.
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O preconceito de fora
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No imaginário social comum, em geral, a aparente aceitação da bissexualidade é uma velada desconsideração da mesma. Aceita a bissexualidade o homem heterossexual que se diverte com meninas que transam na sua frente, quando o objetivo final é excitá-lo. Para ele, essa bissexualidade pode: que é apenas uma fantasia direcionada à ele, que só envolve atração física e nunca a afetiva e que todo desejo partilhado entre as mulheres não seja superior ao desejo que ambas sentem pelo seu pênis. Aí pode: “adoramos mulheres bissexuais!!!!” . “Eu só tenho ciúmes de minha namorada com homens.”
Aceita-se a bissexualidade talvez na adolescência, quando ela/ele está apenas experimentando, “coisa de criança”, “ta na moda!” “daqui a pouco essa fase passa, quando ela conhecer alguém de verdade”. Tem-se a idéia, sempre, de que se há o desejo heterossexual entre as/os que se dizem bissexuais, ele sempre é mais forte e que a homossexualidade é provisória, fruto de alguma perturbação momentânea.
Pode-se transar com uma amiga para excitar o namorado, mas não se pode apaixonar-se por ela. E aí, eu pergunto onde está a tal da “aceitação”? O mais interessante é que a noção de gênero está muito presente nessa forjada e hipócrita “aceitação”. Pois nas fantasias heterossexuais raramente há aceitação de homens bissexuais. A namorada raramente tem a fantasia de ver o namorado com outro homem, já homens E mulheres heterossexuais têm, comumente, fantasias com mulheres transando. A indústria pornográfica de massa incentiva relações sexuais entre mulheres, desde que orientadas pelo desejo heterossexual. Muito difícil é ver relações sexuais entre homens em filmes direcionados a pessoas heterossexuais. Se homem transou com homem, acabou: é gay. Se mulher transou com mulher: obviamente ela só está excitando o expectador/a. Homens bis são gays promíscuos e mulheres bis são fantasias. Essa idéia está muito mais perto de uma mercantilização do corpo feminino e banalização do desejo lésbico em prol das meras fantasias heterossexuais, do que de uma “aceitação da bissexualidade”.
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O preconceito de dentro
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Por outro lado, a aceitação que o movimento LGBTTT tem para com bis é ótima, se eu mulher, estou defendendo os direitos de ser lésbica. Parece que se estou numa relação heterossexual de longa duração, não há sentido de eu estar militando como LGBTTT, mesmo sendo militante bissexual. Mas como é você fazer parte de um grupo de lésbicas e bissexuais e de repente começar a namorar sério um cara (que inclusive está disposto a ir às paradas LGBTTT’s com você)? Como você vai trazer para o grupo de lésbicas os problemas que você está tendo com o seu parceiro? Existe espaço para isso? O “b” está na sigla, mas o que ele diz nas paradas? Você tem espaço para trazer seu parceiro para uma parada e não levar, no mínimo, olhares atravessados, entre, claro, as mais diversas piadinhas?
Eu sinto, muitas vezes, no próprio movimento, um ar de rejeição. “O que está fazendo com esse cara? Você não militava com a gente? Ah, não era lésbica de verdade, estava apenas brincando.” Parece não existir a orientação bi. Ou você joga de um lado, ou joga de outro. Há a idéia da “lésbica enrustida”, aquela que no fundo é lésbica, sente desejos apenas por mulheres, mas de vez em quando fica com homens por covardia de assumir-se como lésbica. Parece que é um projeto incompleto, um trabalho inacabado, alguém que não teve coragem de subverter totalmente e mantém práticas heterossexuais como estratégias de defesa, proteção e desfrute de privilégios.
Em poucas palavras, ser bi é fácil quando você é hetero para a “normalidade” e quando você é lésbica para a “anormalidade”. E para muitas pessoas, eu entendo que ser bi é “se aproveitar” das situações e dos espaços que estão postos de forma dicotômica e necessariamente antagônica. É a velha história do “joga para os dois lados”, traiçoeira/o, interesseira/o, desleal, sem comprometimento, covarde, sem identidade.
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Mas o que é ser bi, afinal?
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O desejo não procura um gênero específico. O que não quer dizer que bis não tenham gosto ou sejam promíscuas/os: “pegam todo mundo”. Aliás, aqui entre nós: dispenso essa noção de promiscuidade, uma vez que ela não acrescenta nenhum valor legítimo, além de barrar as liberdades das pessoas para com os seus corpos e ações. Ser bi não e ser homossexual enrustida/o. Eu não estou com um cara agora, para não sofrer discriminação. Eu estou com ele porque ele me atraiu, porque nós conversamos e nos demos bem, assim como amanhã isso pode acontecer com uma garota. Assim como ser bi não é ser uma pessoa heterossexual que lá de vez em quando, numa festa mais “alternativa”, quando estou bêbada/o, eu fico com pessoas do mesmo sexo. Ou ainda, fica com pessoas do mesmo sexo, mas não sente tesão o bastante para transar ou sentimento o bastante para amar.
Não quer dizer também, que bis têm dias e ocasiões certas para gostar de cada sexo. O desejo é imprevisível, muitas vezes, está mais no seu objeto de atração (te surpreendendo) do que em você, como uma idéia preconcebida. Pessoas bis podem ter longas fases heterossexuais e anos depois começar um relacionamento sério homossexual. Nada impede que eu ame apenas mulheres durante dez anos de minha vida e depois ame um homem durante dois anos, por exemplo. Assim como há bissexuais que têm preferências homossexuais, ou heterossexuais. Por exemplo: há mulheres bissexuais que preferem ficar com mulheres, vivendo quase toda suas vidas orientada à lesbiandade, mas que eventualmente apaixonam-se por homens sem ter grandes crises de identidade, ou problemas com desejo sexual, porque sua identidade é bi.
Assim como na homossexualidade, na bissexualidade não existe relação entre o gênero da pessoa e de sua aparência com o seu desejo sexual. É mito quando se pensa que as mulheres “mais femininas” são bis porque ficam com homens. Não. Há mulheres de aparência mais masculinas que gostam de ficar com homens, sejam elas bissexuais, ou heterossexuais. Assim, como há homens com traços femininos que podem se sentir atraídos por mulheres. Travestis, transexuais e transgêneros podem ser bissexuais, pois sua identidade de gênero, independe do seu desejo afetivo e sexual.
Não há sentido de haver uma identidade de bissexual – uma letrinha “b” no LGBTTT – se não se compreende uma pessoa bissexual como bissexual e sim como uma pessoa homossexual enrustida, ou heterossexual promíscua. Existe uma especificidade em ser bi que deve ter o seu lugar, a sua voz e suas demandas. É claro, porém, que mulheres bissexuais militantes possuem praticamente as mesmas demandas de mulheres lésbicas no movimento LGBTTT, porém, falta um espaço, muitas vezes para que problemas “bis” sejam abordados, e que as próprias pessoas bissexuais visíveis como realmente são.
Posso amar mulheres agora, homens amanhã, depois mulheres novamente e isso não me faz lésbica ou heterossexual essencialmente ou naquele momento. Eu sou bissexual sempre e sinto orgulho.



[1] A expressão “GLS” foi usada intencionalmente. Ela reflete exatamente a hipocrisia de uma “aceitação LGBTTT”, uma vez que não possui uma proposta política, mas sim o intuito de tornar a homossexualidade algo menos chocante, mais exótico e que gere lucros.
* Texto orinalmente escrito para o zine da LBL/DF. Ainda em construção.

9 comentários:

Anônimo disse...

esse movimento de ser bi ou acho muito legal nao sou mas um dia tenho curiosidade de provar pois é uma coriosidade que tenho so mim falta coragem mas eu aceito isso como um fato normal pois digo q quem é bi nao deixe de ser so porque os outros acha isso e akilo de vc ok!

Anônimo disse...

Bem...essa coisa de ser bi eh mto confusa,eu sou bi,mas meu ex namorado sempre me dizia que eras engraçado namorar alguem q tb gosta de mulher,pois se passava uma loira estonteante e ele olhava,qdu ele desviava a cara dela pra me olhar esperando que eu o repreendesse eu tb estava olhando...
Em outra situaçao fik chato,pois eu posso jurar de peh junto que uma fulana eh soh minha amiga que ele sempre ficava com a pulga atraz da orelha!!!
O interessante que eh que a maioria dos bis se diz hetero,oque naum eh o meu caso...Mas um dia essa coisa acaba e vc tem que pender pra um lado soh,embora seja mto bom pegar geral,um dia vc tem que cair do muro!!!

Anônimo disse...

Olá, dona do blog. Eu achei muito legal seu texto e escrevo pq passo por uma situação na qual minha namorada disse ser bissexual. Fiquei chateado com isso pois nunca tive problemas com minha sexualidade e, por mais que eu ache alguns homens bonitos, não tenho atração por eles já que sou heterossexual. Pesquisei sobre o assunto de bissexualidade, li várias coisas sobre o relatório Kinsey e ainda não compreendo a relação entre atração física e amor simultâneos por duas pessoas de sexos distintos. Segundo Kinsey, menos de 1% da população é puramente bissexual. A grade de marcação de 0 a 7 propoe que as pessoas que dizem ser bissexuais geralmente não querem assumir sua tendência homossexual por motivos de repressão social. Gostaria que você me explicasse com suas palavras como funciona no dia-a-dia ser bissexual? Falar, discutir, teorizar sobre qualquer assunto é muito fácil, difícil é aliar o que se pensa na realidade. Uma pessoa bissexual se dispoe a assumir dois relacionamentos ao mesmo tempo? Ou só se relaciona com uma outra pessoa por acaso ou atração? É possível que duas pessoas bissexuais namorem e cada uma tenha um outro parceiro(a)? Sou uma pessoa mente aberta, mas ainda não entendo como se dá a bissexualidade por isso questiono pois quero ter a capacidade de olhar o assunto por uma perspectiva que ainda não descobri. Por enquanto, fico imaginando o quanto seria insustentável pra mim presenciar tal cena hipotética: " - oi amor, vamos ao cinema hj, fazer alguma coisa depois? que tal? - desculpa benzinho é que já marquei de sair com minha namorada tá, depois te ligo". E isso poderia se extender no dia seguinte caso eu fosse bissexual: " - xuxu, sai ontem com minha namorada e foi legal. vamos sair hj? - ah meu amor, desculpa mas marquei de sair com meu namorado. nos falamos, tchau". Ironia a parte, só quis exemplificar o quanto a pura e real bissexualidade está longe de se tornar realidade. Agradeço muito pela atenção e parabéns pelo blog.

Fer K. disse...

Não tem nada a ver bissexualidade com poligamia, bissexual se permite gostar de dois sexos PONTO. Poligamia, ter relação afetiva com mais de uma pessoa, não apenas sexual, mas sim a ideia de ter mais de 1 namorado. Se seu parceiro se diz bissexual, não significa que ele seja poligamico, apenas que gosta de homens e mulheres, o contrario também vale, não é porque alguem se diz poligamico que esse alguém é bissexual. Uma boa ideia seria você ler sobre Poligamia e relacionamento aberto, mas, como já disse, não tem nada a ver com orientação sexual.

Renata vasconcelos disse...

Bom eu também sou bi, não conhecia esse movimento LGBTTT achei-o muito interessante vou participar dele!
Eu tenho um namorado no momento e vamos fazer 2 anos de namoro, pra mim é muito complicado pois eu já me assumi bi e não tenho duvidas disso, mas pra mim foi muito dificil ser totalmente fiel a ele, pois depois de um ano de namoro começou a me bater uma falta de mulher eu via elas passando, desejava-as, e não podia ter, porque era comprometida. Chegou uma ocasião que eu não consegui mas me seurar e acabei traindo o meu namorado com uma mulher, eu hoje me arrependo pois isso gerou quase o término de meu namoro.
A minha opinião é que se você é bi e tem um namorado, se você sai com uma mulher isso não é uma traição, mas para ele é, e isso já gerou muitos conflitos! Tenho duvidas quanto a isso, se vc é bi e tem um namorado e sai com uma mulher é ou não uma traição? Ja me fiz essa pergunta muitas vezes e sempre chego a mesma conclusão. Não! mas queria saber uma outra opinião de alguém bi. Mas também tem o fato de se vc tiver uma amiga e ela ser bi mas apenas ser sua amiga ele nunca vai acreditar que vocês são apenas amigas, e se acreditar vai acreditar desconfiando e isso é ruim vc sempre acha que ele não confia em vc e por não confiar ele não te ama, mas também o lado dele é compreensível pois é dificil sua namorada ser bi ter uma amiga bi e as duas nunca terem tido nada, eu mesma tenho ciumes dele que é hetero com outras mulheres mesmo elas sendo só amigas, acho que os bisexuais deviam ser mais compreendidos e mais expostos todos só falam na parada gay, mais no caso os bis é que viram os esquisitos! Tem muito preconceito ainda pq não é muito divulgado e nem muito explicado a personalidade de um bi, minha mãe mesmo, ficou semanas me tratando mal quando descobriu que eu era bi, ela ja não liga mais pra eu ser assim, mas ensisti em dizer que pessoas assim não são de confiança!

Arashi disse...

sou hetero e minha namorada é bi ñ ligo dela sair con outras mulheres + ela da + atençao pra elas q pra min oq eu faço pra ter a mesma atençao q elas sem impedila d sair con elas?

Humberto da Janine disse...

Olá. Faz tanto tempo que vc escreveu que nem sei se vai ver meu comentário, mas vou escrever mesmo assim. Seguinte: Sou hétero, namoro sério a garota mais incrível de todos os tempos e, depois de quase dois anos de relacionamento sólido ela resolve me confidenciar que é bissexual. Meu queixo caiu! Tem menos de dois meses que eu soube e ainda estou me recuperando do golpe. O pior já passou. Não tenho nenhuma dúvida do amor que ela sente por mim. Mas confesso que ver esse mundo novo se abrir pra mim me assustou bastante. Simplesmente não tinha a menor ideia que minha namorada, a quem eu achava que conhecia tão bem, tinha um passado ao qual eu ignorava totalmente. O maior baque foi a surpresa da notícia. Não tenho a menor dúvida de que ela quer as mesmas coisas que eu em relação ao nosso namoro. Pra trair, não precisa ser bi, homo ou hétero. Se trai independentemente da orientação sexual. Mas também não posso negar que veio um monte de inseguranças. Afinal, é um mundo completamente novo, ao qual eu não esperava jamais, e que agora eu faço parte. Ela é não assumida. Só a mãe e algumas poucas amigas mais íntimas e as ex namoradas, óbvio, é que sabem. Inclusive ela tem um blog muito famoso que fala sobre o assunto. foi nele que ela viu uma maneira de falar sobre, e de aprender muito acerca da sua sexualidade. Nesse mundo cheio de preconceitos, qualquer pessoa que fuja do padrão familiar imposto desde os primórdios, é alvo de saraivadas, não importando ser bi, lésbica, gay ou whatever. Continuo amando minha namorada com todas as minhas forças, porque ela é a mulher que me faz feliz. É ela a quem eu amava, antes de me dar a notícia. Não haveria de mudar depois. Sim, tenho medo de vez em quando, fico ainda meio que sem acreditar, lampejos de ciúmes, mas no geral estou saindo melhor que a encomenda, me descobrindo como hétero que ama bi e descobrindo minha mulher que é bi e ama um hétero.

Joyce Mores disse...

Por homem ser bi não acho isso como ser "GAY", pois já tive uma relação onde o rapaz ficava comigo e meninos, e eu sabia quem eram as pessoas isso nunca empatou nossa relação.
E eu também ser bi não acho que é lésbica ou hétero isso é por que nos sentimos atraídas por ambos sexos...
Pois transar com uma mulher é sentir prazer diferente de transar com um homem...
E ser bissexual não é uma escolha você tem que aceitar o que você realmente é...

Anônimo disse...

Na realidade dentro de um ponto de vista biológico todos nos H ou M somos BI por extensão pode se despertar em alguns e outros não desde que tenha uma curiosidade.
Eu como H sempre estive com M,mais pelos meus 45 pra 46 anos estive com um Trans.
Acabei fazendo tudo entre 4 paredes achei uma coisa deliciosa,tudo isto e natural.
H e M estão quebrandos mais Tabus sobre Sexualidade,Acredita-se no futuro próximo uma Humanidade + BI.21996085959