quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A Mulher e o Rock*

Nunca fui muito fã de Barbie ou de "coisinhas rosas" que se mexem e sorriem pra mim. Da mesma forma que na adolescência, meu maior sonho nunca foi ser modelo ou fazer plástica para ter seios maiores. Não... na verdade, eu queria mesmo ter uma banda de rock – isso mesmo, uma banda de rock. Daquelas que viajam pelo mundo e tocam nos bares mais toscos.

Percebe-se que nunca fui o que tipicamente se espera de uma menina. E mesmo em pleno século XXI, algumas pessoas se espantam ao ver mulheres em bandas de rock/metal, seja tocando ou apenas curtindo o som nos shows.

Certa vez, fui ao show de uma banda de death metal. Ao término do show, uma de minhas amigas queria tirar uma foto com o vocalista e fomos pra fila de autógrafos. Atos normais que qualquer fã/admirador@ faria. Enquanto tirava a foto da minha amiga com o vocalista, ouço: Olha aí as meninas se aparecendo pros caras da banda. Pergunto pro infeliz "Como é que é?" Pra piorar a situação, ele ainda tenta se explicar e complementa: Ué, mulher não curte metal. Mulher curte os cabeludos da banda, não é!?

Outra vez, eu não estava na platéia, mas no palco. São inumeráveis os “elogios” que mulheres que estão no palco ouvem. Vai desde “linda, tira a roupa, casa comigo, princesa a desce daí e vem me dar o seu o cú, sua vagabunda!”. Tudo que você imaginar que se refira ao seu corpo e quase nunca ao seu desempenho como musicista. Foda-se o que você está tocando: se subiu no palco “deu” o direito de ser objeto masculino e vai ter que pagar por isso. É um tipo de punição: muitas são palavras de ódio, pelo simples fato de você ser mulher. Então tem que ouvir, quando não ser vítima de um “abraço” suado e um beijo nojento e melado com cheiro de cachaça na bochecha. Sim, se mulher está no palco, eles se sentem no direito de subir para beijar.

Quando penso em experiências como essas, a impressão que me passa é que para ser inserida dentro de um grupo, toda mulher com atitude ou com gosto por músicas mais pesadas, são passíveis de desconfiança e por isso têm que passar por uma "comprovação". Como se tivéssemos que provar pra todos/as que sim, curtimos rock/metal; sim, nos divertimos no show e sim, conheço as músicas da banda. Imagine ter que provar constantemente que você pode tocar metal tão bem quanto um cara. Nós mulheres, estamos sempre em teste.

Ações como as relatadas à cima também são demonstrações de violência contra a mulher. Quando se fala em violência, é comum imaginarmos cenas relacionadas à violência física e sexual, como espancamento, estupro, etc. Mas também existem agressões pouco reconhecidas como a violência psicológica, moral, institucional e patrimonial. É importante ressaltar que o fato de uma violência ser menos reconhecida que outra, não significa que ela será menos importante ou terá menor impacto.

Nas histórias relatadas acima, exemplifiquei a violência psicológica e a moral. Estes tipos de violência se dão no abalo da auto-estima da mulher, por meio de palavras ofensivas, de desqualificação, difamação, proibições de estudar, trabalhar, se expressar, manter uma vida social ativa com familiares e amig@s, etc. Por não resultar em vestígios físicos ou materiais é de difícil detecção, porém também se constitui em violência que pode ser denunciada e julgada.

A violência contra mulher é caso sério e pode acontecer em todos os locais: na escola, trabalho, dentro de casa, entre amigos/as, num simples circular na rua e como vimos, em shows de rock.

Mesmo com toda a resistência às mulheres que formam bandas de rock – resistência que vai desde a falta de apoio da família e amig@s para elas aprenderem um instrumento até a violência moral e psicológica que vão sofrer ao pisar num palco – sempre houve bandas de rock com mulheres. Vimos Janis Joplin, Joan Jett, Sonic Youth, Vixen, L7, Smashing Pumpkins, Kittie, Nigthwish, entre outras lançarem cd’s, criar fãs e admirador@s no mundo todo. O que isso significa? Será que, na verdade, o rock sempre foi um espaço também feminino?

Não. Penso que todo reconhecimento que uma banda com integrante mulher conseguiu foi a custo de sua própria disposição em provar que a banda poderia fazer um som legal e ser ouvida. E aqui eu vejo duas estratégias diferentes que as mulheres acharam para se inserir no rock:

1- Elas fazem parte de bandas mistas, tocam entre homens. Nesse sentindo, a banda busca passar a mensagem que a presença de uma mulher na banda não muda seu desempenho, sua capacidade de compor boas músicas e fazer bons shows. Naturaliza-se a presença da mulher, constituindo “mais uma banda comum”. Nessa, todos os integrantes sobem juntamente e igualmente ao palco e quase todas às críticas direcionadas à mulher, também vão ser recebidas pelos homens da banda – o que gera uma cautela maior do público antes de falar merda.

O problema das bandas mistas é que esse maior “respeito” pela banda, parece-me, ocorre mais para com os integrantes homens da banda - respeita-se a legitimidade que eles deram àquela mulher ao “aceitá-la” na banda – do que para a mulher em si. De uma forma ou de outra, acredito que bandas mistas sempre contribuíram para tornar a mulher mais presente no espaço do rock e metal.

2- Elas montam “bandas de meninas”. Para isso é necessária muita astúcia, pois mesmo que não intencionalmente, a mensagem acaba sendo: “Vocês acham que a gente não toca nada e deveria estar rebolando para vocês, mas aí: eu não dou a mínima e se eu subi no palco, tenho o direito de tocar as minhas músicas e vocês vão ouvir.” Independente do discurso da banda de meninas – se são feministas, ou algo diferente – elas constituem bandas ofensivas a boa parte do público masculino do rock.

Poucas chegam a ter o reconhecimento musical que as bandas masculinas e mistas têm. Alguns dizem que “não é porque são mulheres no palco, mas porque tocam mal”. E aqui eu imagino toda a violência psicológica que as mulheres e meninas sofrem quando resolvem tocar um instrumento até toda a pressão de terem que provar aquilo que o público nega-se a aceitar quando sobem no palco para depois dizerem que mulheres “tocam mal”??!!! Muitas pessoas “tocam mal” quando estão aprendendo. A diferença é quando um homem “toca mal” é porque está aprendendo, ou estava nervoso no dia, já a mulher quando “toca mal”, toca mal porque é mulher.

Esse é um dos estigmas das bandas de meninas. Seu problema é que independente do som que toquem, das letras que escrevam, da atitude no palco, da idade das integrantes, são sempre “apenas uma banda de menina”[1]. Porém, elas se tornam mais transgressoras no sentido de que sempre estão lá para lembrar que o rock deve ser um espaço de todos os gêneros, quer queira, quer não. Elas assumem posições de combate a uma idéia estritamente masculina de rock sem precisar do aval de ninguém. Mesmo com todo o estigma de “apenas uma banda de menina”, elas também inspiraram muitas meninas (e até meninos) a tocarem e, também, a assumir posições que desejam, mesmo que não lhe sejam oferecidas.

Podemos dizer que no Século XXI algumas coisas mudaram. Dependendo do lugar, já é comum e naturalizado ver mulheres em bandas de rock e metal. Entretanto, temos que ter consciência que esse espaço ainda é predominantemente masculino e, muitas vezes, violento contra as mulheres. Eu me pergunto para onde o rock quer caminhar com sua plaquinha de “subversão ao sistema” se no seu interior é conservador quanto as posições das mulheres? Que subversão é essa, então? Nenhuma, em minha opinião.



[1] Engraçado, que não existe “banda de menino”, pois banda de menino é quase um pleonasmo. Nossa própria linguagem exclui.

*Escrito por Clarissa Carvalho e Alexandra Martins