terça-feira, março 29, 2005

Verdades Construídas Sem Querer (querendo) Parte I

É muito comum alguém ouvir informações do tipo: “Cinqüenta e oito por cento dos alunos de escola pública chegam à quarta série sem saber ler e escrever direito”. “Andar no ponto morto não economiza mais que andar na quinta sem acelerar”. Ou “Brasília tem um dos maiores índices de câncer de pele”. São apenas exemplos que eu ouvi. O que me chamou atenção é que duas dessas informações/afirmações eu ouvi de duas fontes diferentes.
E o que aconteceu? Eu me peguei reproduzindo essas informações para terceiros sem pensar na validade* da informação.

Percebi que é muito comum (tão comum que a gente faz sem perceber) numa conversa, trocar informações afirmativas, muitas vezes até generalizantes, quando não discriminantes e não pensar nas conseqüências da fala. Não pensar que algo que simplesmente saiu da minha boca porque alguém me contou pode influenciar a pessoa que me ouviu a se comportar segundo aquela informação. E mesmo que não influencie, por que eu estou reproduzindo isso?

Ok, me disseram que Brasília tem um dos maiores índices de câncer de pele, e daí? Como essa pessoa ficou sabendo? Alguém falou pra ela. Mas e essa outra, como ficou sabendo? outra falou, etc Quem me garante que isso é verdade? Eu simplesmente ouvi uma informação e sai transmitindo como se fosse uma verdade, que vai ser transmitida mais e mais. Não é estranho? E supondo que seja uma mentira: simplesmente porque foi reproduzida várias vezes, acaba de tornar-se uma verdade num certo meio.

Pense no quanto de informações desse tipo foram responsáveis por criar imaginários, verdades e que com o tempo vão pedindo justificações que também são criadas e reproduzidas sem parar ao longo tempo. O que acaba resultando em complexos conhecimentos sobre o mundo, até valores que com suas explicações moldam comportamentos.

Imagine alguém em 1932, no interior de Rondônia querendo enganar o amigo para ficar com mais mangas que diz: “Se você comer essa manga agora pode morrer, já que você acabou de beber leite, porque isso aconteceu com três meninos e uma mulher velha das redondezas. E olha que o médico que viu eles disse que era por causa da manga com leite, mistura que não pode”. Eis que o menino que ouviu não come a manga com medo e conta pra mãe dele, pro primo que mora no Mato Grosso, pros colegas da escola, etc. Então sua mãe vai conversar com a vizinha, que confirma a informação porque sua filha ouviu na escola. De repente em 1994, eu lá no Rio Grande do Sul simplesmente sei que não se deve comer manga com leite, nem melancia com uva.

Que mania que temos de reproduzir informações sem pensar! De construir toda hora verdades sem perceber. Às vezes nem são mentiras, mas não pensamos nisso antes de sair falando. Que mania....

* Na parte dois falarei mais sobre “validade da informação”.

terça-feira, março 08, 2005

Dia das Mulheres

Domingo eu toquei num show em comemoração ao Dia das Mulheres na Ceilândia. Fiquei sabendo depois que enquanto eu falava algo sobre o dia, um cara gritou da platéia: "Cala a boca e tira a roupa!"Que pena que eu não ouvi......
Hoje no telejornal vi algumas manifestações em torno do Brasil quanto a essa data. Em várias instituições as mulheres ganharam rosas ou bombons. Numa cidade a prefeitura montou um salão de beleza gratuito pro dia. Em outra rolou a "blitz do batom" que parou mulheres motoristas para dar informações sobre doenças sexualmente transmissíveis. Eu me pergunto o quanto que esse dia tem de eficácia para as questões relacionadas às lutas femininas e feministas.
Sei que deve estar havendo palestras interessantes como sempre há aquela galera lutando por políticas públicas por condições mais igualitárias. Mas isso parece tão pouco. Parece que o Dia da Mulher é um dia para tratar todas as mulheres com carinho e proteção, o que sinceramente para mim não muda nada daquilo que muitas querem mudar.
Sei que mesmo não evidenciando muitas vezes questões políticas, o Dia da Mulher pode ajudar a lembrar que ela não está quieta esperando as coisas acontecerem (porque se fosse assim....). Não tiro a importância da educação sobre DST, pela liberdade de escolha quanto seu corpo (no caso do salão de beleza que citei). Não vejo mal nenhum em se ganhar rosas. Mas tenho medo que essa comemoração pareça ocorrer para alguma coisa acabada e na verdade não acabou, mal começou.... Eu só estou escrevendo pra dizer que não estou satisfeita, essa é minha opinião e quero falar, já que dizem ser meu dia.
Eu não quero ganhar rosas, eu não quero que me achem bonita e gostosa, isso não é elogio pra mim. Eu não quero liquidação nas lojas de roupas femininas. Eu não quero um parabéns, quero você lute comigo porque ainda não cheguei onde queria. Quantas vezes tenho que repetir que não estou satisfeita de poder votar e poder trabalhar, mas não ser votada e se quando eu chego em casa ainda tenho que lavar suas roupas como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não adianta nada eu ter um carro e sair pra onde quiser mas ter que dar satisfações sobre minha vida sexual. Nem todas as mulheres querem ter filhos, então comece a ver isso como opção e não como destino irrversível. Eu não quero ser lembrada só nesse dia, quero ser ouvida todos os dias, assim como eu sempre ouvi. Quero argumentar, antes que já pensem o que eu posso estar pensando. Quero lutar porque ainda há um longo caminho pela frente, o qual tod@s estamos percorrendo.
Feliz Dia das Mulheres para quem sabe o que realmente significa e gostaria de comemorar todos os dias!